Marcão, vocalista da banda Fruto Sagrado (artigo publicado em agosto de 2004)
Li no mês passado um artigo assinado por Osmar Ludovico (pastor da Comunidade de Cristo, em Curitiba - PR) que me deixou extremamente feliz. Ele fez uma explanação sobre o cristão e a arte de forma inteligente, equilibrada e espiritualmente perfeita. Ludovico esclarece que a arte como expressão cultural e criativa pré-existe à criação do Universo porque foi Deus quem a criou. A natureza, a vida humana, os micro e macro organismos são obras-primas, resultado do gênio criador e artístico de Deus e que toda origem e fonte de arte, criatividade e a capacidade de apreciar o belo são concedidas por Ele a todos os seres humanos, independente do credo religioso.
O pastor afirma que dentro desta sociedade dominada pela razão egoísta e pelo dinheiro, qualquer artista passa a ser um profeta porque a arte toca o espírito do ser humano e, por isso, o poder da criação artística não pode ser utilizado apenas para fins comerciais, pois arte é muito mais que entretenimento, diversão, decoração ou parte de cerimônias e rituais. Segundo o líder (e eu concordo com ele com todas as forças), a arte, a criatividade, o esforço cultural e a apreciação do belo não necessitam de justificativas ou espiritualizações. Não existem dois mundos sobrepostos, o espiritual e o mundano, mas um só mundo, o real. Isto é, ou Cristo redimiu o homem todo ou então não redimiu nada. Ou todas as áreas da nossa vida se submetem ao senhorio de Cristo, ou nenhuma. Dividimos e dizemos: “isto é espiritual, isso é secular”. Essa cisão acaba por nos fazer aceitar a mediocridade na arte feita por cristãos, seja na pintura, teatro, dança, literatura e música comercializados e aceitos sem discernimento, só porque tem tema “espiritual”, mas cujo conteúdo artístico é pobre ou inexiste.
Ele continua afirmando que nós, cristãos evangélicos, colocamos uma camisa-de-força em nossos artistas. Exemplo: o músico tem que entrar para o coral da igreja ou para alguma gravadora evangélica e cantar só música “gospel”; o pintor só pode pintar “anjo”; o produtor de teatro só pode fazer peças evangélicas; o poeta só pode citar textos bíblicos; quem dança só pode inventar coreografias inocentes e somente dentro da igreja ou então dançar o folclore judaico. Durante o artigo, ele faz uma pergunta que é a mesma que faço há mais de 15 anos: “onde estão nossos eruditos populares e de vanguarda criando sem censura, com autenticidade, integridade e sem concessões comerciais?”
Em todos esses anos em que participo do Fruto Sagrado pude e ainda posso, infelizmente, constatar muitos artistas cristãos usando essa tal “camisa de força-gospel”, repetindo temas de forma pasteurizada, tentando lamentavelmente imitar nomes de expressão nacional ou internacional, sepultando o poder criativo dado por Deus, sem o menor constrangimento. Os que não se conformam com esse “confinamento” são em sua maioria, marginalizados, renegados a guetos e a pequenas cavernas.
É no mínimo desagradável sofrer censura, ser rotulado, boicotado e por vezes desprezado por não atender as imposições comerciais pseudo-cristãs desse “mundo paralelo”, tão ou mais cruel e injusto que o “mundo normal”. Luto até hoje contra essa “arte evangélica gasosa”. Apesar do Fruto Sagrado ter lançado seis discos, lamento o rótulo imposto, que impede o nosso trabalho de extrapolar os muros eclesiásticos. Particularmente, no setor da música realizada por cristãos aqui no Brasil, vejo muitos se tornando obssecados com detalhes financeiros, a ponto de perderem de vista a arte, a criatividade e a tão proclamada “espiritualidade”.
Aonde chegaremos com tanto legalismo e distorções teológicas a respeito da arte? Será que em nosso atual “ambiente” ainda existe oxigênio criativo? Quantos observam estarrecidos a ditadura da mediocridade que impera em grande parte das livrarias, programas de TV, rádios, gravadoras e igrejas? Oro por uma reforma estética e ética, e que todos os nossos artistas cristãos tenham a opção de serem artistas, não só para o “mundo sacro”, mas também para a arte popular e contemporânea, livres para fazer arte com temas bíblicos ou com temas do cotidiano ligados a realidade, comum a todos os seres humanos, evangélicos ou não.
Como um artista cristão será sal e luz de forma plena, sendo agente transformador da sociedade onde vive se estiver confinado, amarrado literalmente a essa “camisa-de-força-gospel”? Meu sonho é um dia presenciar cristãos criando e atuando artisticamente em novelas, filmes, peças, apresentações musicais, livros, etc, assistidos por qualquer ser humano, independente do credo religioso, em qualquer mídia, livre de rótulos, censuras, preconceitos e inquisições impostas pela mentalidade vigente da “camisa-de-força”.
Que o único, e grande mecenas, o Senhor nosso Deus, criador da arte, da criatividade e do poder de apreciar o belo nos livre, no tempo de sua vontade, dessa “camisa-de-força-gospel” em que vivemos.
Que Deus nos abençoe! (grifos meus)
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